quinta-feira, 16 de abril de 2009

O ponto G: cotas nas passarelas, sim! Boicote também e pq não? Chega de hipocrisia (parte I)



Eu adoro ser negro. Mas também poderia ser amarelo, pink, verde fluorescente, ou ainda mais preto! Ah, como eu queria ser azul, retinto, negão-noite, carvão mesmo, tipo Djimon Hounsou, Alek Wek ou Grace Jones.
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Apesar de sermos todos da mesma raça humana, adoro fazer parte de um povo, de uma etnia que valoriza a vida gregária, a alegria, o respeito aos ancestrais e seus antepassados; à natureza; que supera adversidades históricas com a dança, com a música; que dominou a Europa por séculos e séculos e não fez um terços das barbáries que os brancos fizeram quando invadiram outros continentes e dizimaram o diferente;
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Claro que o ser humano não é perfeito e nem seria uma cor a carimbar esta qualidade em quem quer que seja. A própria África se consome em guerras tribais sangrentas; verdadeiros holocaustos para os quais o ocidente faz vistas grossas enquanto não tem seus interesses envolvidos.
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Uma vez , ao entrevistar Seu Jorge, ele me disse que se as religiões afro-brasileiras tivessem se tornado as principais no Brasil, no mínimo saberíamos preservar mais a nossa natureza e teríamos mais respeito nas relações humanas, que não discriminam ninguém pela cor, sexo ou orientação sexual. Até aquele momento, não havia parado para pensar nesta situação hipotética.
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Apesar disso tudo, eu, assim como ele, amo a mistura racial e ecumênica deste país.
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Das minhas lembranças de negro quando pequeno, lembro que pensava em ter muitos filhos: um com uma branca, outro com uma negra, outro com uma oriental...Era quase uma experiência genética como a criança que envolve o feijão no chumaço de algodão para vê-lo germinar. Para ver o que vai surgir dali. Só sabia que todos eles seriam irmãos, fraternos, apesar das diferenças físicas que pudessem existir entre eles.
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Também recordo de adorar brincar de esconde-esconde. Sempre escolhia um lugar bem escuro, onde estático e de boca fechada, envolvido pelo breu e sem dentes à mostra, me sentia um verdadeiro homem invisível. Chega a ser engraçado agora!
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Das lembranças ruins, lembro de muitas pessoas maldosas e preconceituosas que ao me verem sozinho, desprotegido, faziam questão de me lembrar que não era filho legítimo do meu pai, um descendente de alemães, o que sempre foi algo lógico para mim e nunca escondido dentro de casa. Muitas vezes cheguei a desejar que a cor da minha pele fosse um macacão, uma segunda-pele. Que no dia seguinte, depois de dormir, iria removê-la, e embaixo dela estaria a minha cor de verdade, branca como a de meus pais e irmãos adotivos. Minha família me fortaleceu.
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Alek Wek, a modelo sudanesa apontada como padrao e referencia de beleza na virada dos anos 00 foi posta para escanteio. A boca pequena, em muitos desfiles e para muitos estilistas nacionais, negras assim so terao chances no mundo da moda com a imposicao legal das cotas






Cresci e nunca tive problema com a minha cor. Nem com a cor de fulano ou sicrano. Os outros (e na verdade são poucos os que se revelam) é que têm. Fosse da cor que fosse, só pediria para ter, desde pequeno, a mesma educação que tive em casa - um ambiente ítalo-germânico.
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Lá em casa, numa cidadezinha com menos de 18 mil habitantes, cor nunca foi problema; nem orientação sexual. Problema mesmo era a falta de palavra, de honestidade, de retidão de caráter, de valores cristãos...Meu pai sempre dizia: “sou bom, mas sou bravo!...”. Foi ele quem me ensinou que nunca se nega um prato de comida ou um copo de água a ninguém. Ninguém mesmo!!!!
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Custei a entender o que isso significava. Até que anteontem, uma amiga das antigas, lendo este blog, reproduziu uma frase de Vitor Hugo, de quem é fã e leitora voraz: “È fácil ser bom;difícil é ser justo”;
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Pois, assim como meu pai e o poeta francês, quero ser justo aqui neste espaço depois te ter lido as declarações da estilista Gloria Coelho (foto no alto) sobre cotas para modelos negros na moda que outra amiga negra,Marlene de Paula, enviou-me, indignada, por e-mail.
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Em matéria publicada pelo jornal Folha de S.Paulo, sobre a proposta do Ministério Público Federal de criar cotas para modelos negros na São Paulo Fasion Week, evento dos mais importantes de moda do país, Glória Coelho manifestou resistência à iniciativa: "Nosso trabalho é arte, algo que tem de dar emoção para o nosso grupo, para as pessoas que se identificam com a gente. (...) Na Fashion Week já tem muito negro costurando, fazendo modelagem, muitos com mãos de ouro, fazendo coisas lindas, tem negros assistentes, vendedoras, por que têm de estar na passarela?".
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A repercussão desta matéria pode ser encontrada no link,
http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI3701321-EI6581,00.html
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Djimon Hounsou, modelo e ator, nigerrimo em propaganda de Calvin Klein. La fora ate rola campanhas assim. Dificil e ver a valorizacao negra aqui, no segundo maior pais de populacao negra fora da Africa. Precisaria de leis e cotas se todos tivessem consciencia e boa vontade?

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Ao fazer tais declarações, Gloria Coelho pode até achar que está sendo boa. Mas você realmente acredita que uma pessoa que pensa assim, é justa na vida real, aquela do dia-a-dia? E se não é assim diariamente porque seria diferente no seu métier profissional, seja em seu ateleier, na rua, na sua casa ou na São Paulo Fashion Week, evento do qual participa? Que tipo de relação tal pessoa se permite com os negros, com os nordestinos, com os pobres, com os excluídos ou seja lá com que “minoria” for???
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Difícil né?! Eu, honestamente, não acredito neste tipo de bondade nem de justiça. Ela até pode ser diplomática, mas jamais será justa porque tem um fantasma, o do preconceito, a assombrar-lhe os dias.
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Não pretendo mudar ninguém. Ela pode ser feliz assim. Também acho que Gloria Coleho, cuja grife que já foi só G, tem dois pontos favoráveis nisso tudo. Se falta consciência, pelo menos não faltou coragem para expressar o que muuuita gente pensa e não revela no mundinho fashion. Seja por ter medo de ser politicamente incorreto ou por poder ir parar na cadeia por preconceito, injúria , discriminação...
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Como Gloria Coelho diz, o público negro não é quem compra suas peças caríssimas. È verdade! Por isso Taís Araújo, negra, linda, rica, consciente, poderia optar por outras grifes que não tenham este tipo de postura. Camila Pitanga idem! Faço questão de cobrá-las aqui!
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Ai ai, fico me perguntando se Gloria Coelho também repetiria tudo o que disse diante de Naomi Campbell, que vem muito pro Brasil e é amiga de uma das prováveis clientes jet setter de GC, a milionária Ana Paula Junqueira. Gloria e Naomi já devem ter se cruzado em alguns eventos com certeza. Mas e aí? O que rola? Bondade...diplomacia..interesses...???
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O que se pode fazer, já que a situação é camuflada na maioria dos casos?
Acho que só as cotas já não resolvem. Não sou contra as cotas. Sou contra a eternização das cotas. Elas são emergenciais e, como a própria declaração desta estilista nos deixa ver, se não forem adotadas em tudo, não haverá mudança nem a curto ou médio prazo.
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Mais negros aqui e ali, pra que ne D. Gloria
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Devo ficar esperando que pessoas alinhadas com o pensamento de Glória em algum dia, do nada, ao sabor do vento, resolvam dar oportunidades a bel prazer? Não isso não acontecerá. Melhor o debate acalorado das cotas. Mesmo não sendo unanimidade, são efetivas.
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Acho também que boicotes e estardalhaços pacíficos, porém pontuais, também ajudam. Dá pra fazer sites, escrever para jornais e revistas, estampar camisetas, abrir faixas...é uma democracia! E vejo que há empresários e pessoas que além de não terem consciência alguma, so se sensibilizam no bolso e em mais nenhuma outra parte do corpo.
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A lógica de Glória vale para muitos mesmo. Afinal, pra que mudar alguma coisa, se o padrão de beleza é este mesmo, o das meninhas brancas, esquálidas, com impensáveis quadris 90? Pra que mais negras se tem uma Samira? Pra que mais orientais, se já tem uma Juliana Imai; pra que mais índias, se ainda tem Caroline Ribeiro? Né??!!
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Nunca quis que ninguém gostasse de mim pela minha cor. Não sou pantone; quem não enxerga o que sou, realmente não merece me ver; Também não vim ao mundo pra fazer amizades – estas eu escolho por afinidade. Mas o que jamais permito é que me discriminem (ou a outro na minha frente) devido a cor;
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Também exijo as mesmas oportunidades, mas nem sempre isso acontece; é uma batalha inglória até o fim dos meus dias tenho cereza.
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O mais cruel é saber que isso tudo é introjetado e perpassa gerações. O Brasil não olha pro próprio umbigo, não olha para sua História. A estilista Glória Coelho, por exemplo, prefere pesquisar a história medieval, de onde busca inspirações para criar suas coleções, a conhecer um pouco mais da História negra do país.
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Mineira de nascimento, com nariz, cabelo, tez e boca que não me deixam mentir, Gloria Coelho é negra sim. O triste é ver que ela não sabe!

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1 Comentários:

Blogger Ricardo disse...

Muito boa tua postagem,corajosa como deveria ser de todos os negros envolvidos profissionalmente com moda ou consumidores conscientes. òtima também tua percepção com o narigão da Gloria Coelho, ela deve 'sofrer horrores'diante do espelho e tem tb aquela história da foto arrancada do álbum de família.

11 de maio de 2009 às 04:30  

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